Jussara Lucena, escritora

Textos

O Pai dos Burros

Durante muitos anos eu mantive uma pequena tipografia numa cidade do interior. Foi a continuidade do negócio de meu pai. Tínhamos poucos funcionários: um gerente, um chapista, dois impressores, um cortador de papel, dois intercaladores e um contínuo. Por um curto período de tempo somamos a nossa força de trabalho um garoto da Guarda Mirim da cidade, chamava-se Antônio. Não era dos mais inteligentes, mas merecia uma chance de aprender alguma coisa e melhorar a sua vida de garoto órfão.

Certo dia, quando eu revisava o texto redigido por um cliente e tive uma dúvida, chamei Antônio ao meu escritório e lhe fiz um pedido.

Alguns instantes depois o gerente da gráfica, o Augusto, veio até minha sala e me perguntou:

- Você quer falar comigo?

- Não, por que?

- Mas o Antônio acabou de entrar e me disse que queria falar comigo.

- Não, não foi isso que eu pedi.

- Só faltava essa. Passei a metade da manhã tentando consertar aquela bendita impressora. Minhas mãos estavam cobertas de graxa. Lavei as mãos, tirei o guarda-pó e vim até aqui para nada. Logo agora que eu estava quase terminando!

Começando a entender o que estava acontecendo, segurei-me para não rir e pedi ao Augusto que trouxesse o garoto de volta até mim.

Antônio voltou com a expressão de que nada havia acontecido. Perguntei-lhe:

- Antônio, o que foi que eu lhe pedi?

- O senhor me disse: “Vai lá e traz o “pai dos burros!”.

- Sim, e por que não o trouxe?

– Eu não o trouxe, mas, pedi para ele que viesse até aqui.

Nessa altura, o Augusto, que não sabia se ria ou se ficava mais aborrecido, despejou:

- Explica aí garoto, o que foi que você entendeu quando o chefe lhe fez o pedido?

- Ele pediu o “pai dos burros”. Pensei, nós os funcionários somos os burros, o gerente, é o nosso pai. Então o Augusto é o pai dos burros! Simples.

Caímos na gargalhada. O menino continuava inexpressivo sem entender o que acontecia.

- Antônio – disse eu – “pai dos burros” é uma forma carinhosa de chamar o dicionário.

- Só me faltava essa! Nem pai eu tenho, agora fui adotado por um livro. – disse Antônio inconformado.

- Sabe aquele armário que fica embaixo da escada, aquele com portas de vidro.

- Aquele que o Augusto pediu que eu não colocasse a mão? Até parece que tem ouro guardado lá dentro. Se tiver deve estar guardado no meio daquele monte de revistas velhas.

- Sim, aquele - respondeu Augusto com a mão na boca escondendo o sorriso.

- E aquele livro de capa dura e amarelado serve para alguma coisa? Ele é quase tão velho quanto o senhor! E o senhor me desculpe, mas se ele é o “pai dos burros” alguma coisa está errada. O senhor é quem mais usa ele. – disse o sincero Antônio, que agora exaltado conseguia abrir um pouco mais o olho direito.

A história logo se espalhou e acredito que até hoje quem teve a oportunidade de trabalhar na gráfica tem viva na memória a história do “pai dos burros” e a imagem do velho dicionário que conservo comigo até hoje.

Dizem que hoje o Google é o “pai dos burros”. Eu continuo fiel.

Este texto foi o 3.º colocado no XV Concurso Literário JI/AEPTI promovido pela Associação de Escritores, Pintores, Poetas e Trovadores de Itatiba - SP.

Adnelson Campos
28/09/2015

 

 

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